A liberdade religiosa é a pedra fundamental da paz num mundo onde muitas filosofias competem entre si. Ela dá-nos todo o espaço para determinar por nós mesmos o que pensamos e no que acreditamos — para seguirmos a verdade que Deus nos fala ao coração. Ela permite a coexistência de diversas crenças, protege os vulneráveis e ajuda-nos a negociar conflitos. Por essa razão, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sabiamente concluiu, em diversos casos, que a liberdade religiosa é vital para os que têm fé, “mas também é um bem precioso para ateus, agnósticos, céticos e para os que não se envolvem com o tema”. Isso dá-se porque “o pluralismo indissociável de uma sociedade democrática, conquistado com grande sacrifício ao longo dos séculos, depende dela”. (1)
Uma liberdade robusta não é simplesmente aquilo a que os filósofos políticos se referem como uma liberdade “negativa” sem controle, por mais importante que seja. Em vez disso, é uma liberdade “positiva”, muito mais rica — a liberdade de viver a sua própria religião ou crença num ambiente jurídico, político e social que seja tolerante, respeitoso e que acomode as diversas crenças.
Usamos nossa liberdade de religião e crença para estabelecer as nossas convicções básicas, sem as quais todos os outros direitos humanos não teriam significado. Como podemos reivindicar a liberdade de expressão sem sermos capazes de dizer em que realmente acreditamos? Como podemos reivindicar a liberdade de reunião sem que possamos reunir-nos com outras pessoas que compartilham os nossos ideais? Como desfrutar da liberdade de imprensa sem que possamos imprimir ou divulgar publicamente quem realmente somos?
Devemos reconhecer que tem havido um avanço notável na propagação da liberdade religiosa. Em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que declara que “toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião”. (2)
Em 1966, foi negociado um tratado para tornar vinculante a declaração das Nações Unidas. Esse tratado — conhecido como Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos — fortaleceu a ideia de que cada pessoa deve ter “a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em grupo, tanto em público quanto em ambiente privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”. (3) O tratado entrou em vigor dez anos depois, em 1976.
Em janeiro de 2013, 160 países tinham assinado o tratado — praticamente todos os países desenvolvidos do mundo. (4) A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José, Costa Rica), adotada em 1969 e em vigor desde 1978, protege a liberdade religiosa usando uma linguagem quase idêntica. (5)
Fortes razões alicerçam o avanço obtido e devem motivar-nos a seguir em frente. A liberdade religiosa correlaciona-se fortemente com uma série de benefícios econômicos, cívicos e de saúde pública.(6) De modo geral, as pessoas religiosas têm melhor vida familiar, casamentos mais sólidos, menos incidência de uso de drogas e de outros crimes, apresentam um maior nível de escolaridade, maior disponibilidade para serem voluntários e fazer doações a instituições de caridade, demonstram melhores hábitos de trabalho, vivem mais, desfrutam de melhor saúde, têm rendimentos mais elevados, assim como níveis mais elevados de bem-estar e de felicidade.(7) A liberdade de religião e a prática da religião claramente fortalecem a sociedade.
A necessidade de vigilância e cooperação
Infelizmente, os amparos concebidos à liberdade de religião e crença tendem a ser fracos e sofrem violações e ataques. Forças poderosas procuram restringir a liberdade religiosa ainda em seu crescimento — até mesmo em países que historicamente a protegeram com mais vigor. Tais pressões têm prevalecido ou ganhado terreno em muitos países.
É notável que, em 2013, cerca de 5,5 bilhões de pessoas — 77 por cento da população mundial — viviam em países com níveis altos ou muito altos de restrições à liberdade religiosa, comparados aos 68 por cento de apenas seis anos antes. (8)
Praticamente todas as democracias ocidentais alegam acreditar no princípio da liberdade religiosa.
É na aplicação do princípio que surge a controvérsia. As ameaças a essa liberdade surgem quando pessoas e instituições religiosas procuram dizer ou fazer algo — ou recusam-se a dizer ou fazer algo — que seja contrário à filosofia ou aos objetivos dos detentores do poder, inclusive das maiorias políticas. A religião, em geral, é uma contracultura e, portanto, impopular. Por isso, a liberdade religiosa, ainda que no geral seja apoiada como princípio, na prática recebe vigorosa oposição.
Na Europa e América do Norte, têm surgido controvérsias sobre a questão de as igrejas poderem decidir quem contratar (ou não contratar) como ministros, se as pessoas podem usar roupas ou símbolos religiosos no trabalho ou na escola, se os empregadores devem pagar por métodos contracetivos ou abortos para seus empregados, se as pessoas podem ser compelidas a executarem serviços que ofendam suas crenças, se o reconhecimento profissional ou acadêmico pode ser negado ou revogado em razão de padrões ou crenças morais, se organizações estudantis religiosas podem ser obrigadas a aceitar alunos com crenças distintas.
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias tem a felicidade de permanecer ano esforço vital de proteger a liberdade religiosa. Embora estejamos otimistas quanto a fazermos a diferença nos nossos esforços coletivos, nenhum de nós pode vencer essa luta sozinho. O Presidente Dallin H. Oaks, do Quórum dos Doze Apóstolos, declarou:
“É imperativo que aqueles entre nós que acreditam em Deus e na realidade do certo e do errado se unam com mais eficácia para proteger as nossas liberdades religiosas de pregar e praticar a nossa fé em Deus e os princípios do certo e do errado que Ele estabeleceu. (…) Tudo o que é necessário para termos unidade e uma ampla coligação em relação ao que proponho é uma crença comum de que existe certo e errado no comportamento humano e que isso foi estabelecido por um Ser Supremo. Todos os que creem nesse [princípio] fundamental devem unir-se de modo mais eficaz para preservar e fortalecer a liberdade de advogar e praticar nossas crenças religiosas, sejam elas quais forem. Devemos percorrer juntos os caminhos que levam a garantir nossa liberdade de buscar nossos caminhos diferentes quando tal for necessário de acordo com nossa crença”. (9)
Nossa tarefa será difícil e exigirá vigilância constante, mas é de extrema importância.
O livro de escrituras da Igreja, Doutrina e Convênios afirma numa revelação datada de 1835, numa época em que, a despeito da proteção constitucional, muitos membros da Igreja estavam a ser expulsos dos seus lares por terem abraçado o que para outros pareciam crenças novas e diferentes:
“Nenhum governo pode existir em paz a não ser que tais leis sejam feitas e mantidas invioladas, de modo a garantir a todo indivíduo o livre exercício de consciência”. O governo pode “reprimir o crime, mas jamais controlar consciências”; ele “deve castigar delitos, mas nunca suprimir a liberdade da alma” (D&C 134:2, 4).
Este é um lembrete solene para a nossa época, especialmente quando muitas das restrições atuais à liberdade religiosa vêm também de países que adotam o princípio, mas por vezes deixam de aplicá-lo.
Adaptação do discurso de Élder D. Todd Christofferson, do Quórum dos Doze Apóstolos na conferência inter-religiosa realizada em São Paulo, Brasil, no dia 29 de abril de 2015.
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(1). Kokkinakis v. Greece, 3/1992/348/421 (25 de maio de 1993), para. 31; Nolan e K. v. Russia, 2512/04 (12 de fevereiro de 2009), para. 61; ver também Serif v. Greece, 38178/97 (14 de dezembro de 1999), para. 49; European Convention on Human Rights, Article 9.
(2). Nações Unidas, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 18, 10 de dezembro de 1948, un.org/en/documents/udhr.
(3). Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Artigo 18, 16 de dezembro de 1966, ohchr.org/EN/ProfessionalInterest/Pages/CCPR.aspx.
(4). Ver Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; ver também W. Cole Durham Jr., Matthew K. Richards e Donlu D. Thayer, “The Status of and Threats to International Law on Freedom of Religion or Belief”, em Allen D. Hertzke, ed., The Future of Religious Freedom: Global Challenges, 2013, pp. 31–66.
(5). Ver Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José, Costa Rica), 22 de novembro de 1969 (Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos), oas.org; ver também Juan G. Navarro Floria e Octavio Lo Prete, “Proselitismo y Libertad Religiosa: Una Visión desde América Latina”, em Anuario de Derecho Eclesiástico del Estado, nº 27, 2011, pp. 59–96.
(6). Ver Brian J. Grim, Greg Clark e Robert Edward Snyder, “Is Religious Freedom Good for Business?: A Conceptual and Empirical Analysis”, Interdisciplinary Journal of Research on Religion, vol. 10, 2014, pp. 4–6; Paul A. Marshall, “The Range of Religious Freedom”, em Paul A. Marshall, ed., Religious Freedom in the World, 2008, pp. 1–11.
(7). Ver Patrick F. Fagan, “Why Religion Matters Even More: The Impact of Religious Practice on Social Stability”, Backgrounder, nº 1992 (18 de dezembro de 2006), pp. 1–19; Robert D. Putnam e David E. Campbell, American Grace: How Religion Divides and Unites Us, 2010, pp. 443–492.
(8). Ver “Latest Trends in Religious Restrictions and Hostilities”, 26 de fevereiro de 2015, pewforum.org.
(9). Dallin H. Oaks, “Preserving Religious Freedom”, discurso, Faculdade de Direito da Universidade Chapman, 4 de fevereiro de 2011, mormonnewsroom.org.